Todo amor, por menor que seja, deixa uma impressão. Eu esbarro em você no cotidiano e reajo de alguma forma imprevisível. Não tem como tratar como desconhecido quem um dia já foi o alvo das suas cócegas, a tua ligação de madrugada ou o teu pedido de socorro. Não tem como passar uma borracha e seguir em frente por inteiro. Superar é uma coisa, esquecer é outra e apagar é um processo completamente impossível. E essa é só mais uma das tantas vezes que eu tento dizer pra mim mesmo um “vai lá, deixa disso e queima a foto, deixa de ouvir essas músicas, pensa em outra coisa e aproveita a juventude”, mas acho que envelheci uns trinta anos com essa coisa constante de acordar no meio da noite e gritar por ele. A tarja preta não faz mais efeito e a terapia já me deu o veredito: ele vai acabar com você aos poucos. Quem disse que eu me preocupo com isso?
Sempre que ele reaparece, de alguma forma, ele me consome. Tenho a impressão de que, por mais que a gente tente se enterrar, ele sempre vai causar uma dessas reações estranhas em mim. Sim, a gente tenta se enterrar. Pelo menos eu cultivo essa ideia de que eu também representei algo e espero que ele tenha tido algum trabalho ao jogar tudo fora. Acho que eu não suportaria descobrir que pra ele foi fácil, rápido e indolor. Prefiro pensar do meu modo e até espero que ele apareça algum dia desses de surpresa só pra que eu demonstre uma dessas tais reações estranhas. Eu até quero muito que isso aconteça e que eu sinta de novo uns dez por cento do que eu sentia daquilo tudo. Eu já tomei uns dois comprimidos e já mudei alguns trocentos canais de televisão. É pedir demais que eu abra aquela porta e dê de cara com ele dormindo no sofá com as malas desfeitas, ou é melhor virar pro lado da cama e colocar de vez na minha cabeça que ele não vai mais voltar?